O ciclo de doze anos
Com o recente empate contra o Peru, a Seleção Brasileira ficou em uma posição desconfortável na tabela de classificação das Eliminatórias para a Copa do Mundo de 2002. O desempenho brasileiro no jogo contra o Peru também foi responsável por um reacendimento vigoroso de inúmeros debates e discussões sobre os caminhos a serem tomados pela CBF e pelo técnico Leão. Torcedores e comentaristas mais pessimistas chegam até a se preocupar com a possibilidade teórica de o Brasil ficar fora da próxima Copa do Mundo.
Realmente a situação da Seleção Brasileira está um tanto preocupante. Não por correr o risco hipotético de ficar fora da Copa do Mundo ou por sabermos que é irreal esperarmos que os Romários, Juninhos e Rivaldos de hoje sejam novos Pelés, Garrinchas ou Tostões. Mas porque, se olharmos para o passado da Seleção Brasileira, veremos que o último meio século projeta uma fase de Seleção Brasileira "em baixa" para a próxima Copa do Mundo. Não é difícil perceber que a história da Seleção Brasileira (e, em menor escala, a própria história das Copas) tem se pautado por ciclos com periodicidade de 12 anos.
Uma primeira abordagem pode ser feita do ponto de vista do participação brasileira nas Copas do Mundo. Na Copa de 1958 o Brasil apresentou aquela que é considerada por muitos a melhor seleção de futebol de todos os tempos e conquistou seu primeiro título de maneira indiscutível. Doze anos depois, em 1970, o tricampeonato foi conquistado de maneira igualmente irretocável por uma Seleção Brasileira também reputada por muitos como a melhor seleção de futebol da história. Passados mais doze anos, a Copa de 1982 assistiu a uma Seleção que, se não foi campeã, ao menos se inscreveu na história como uma equipe de altíssimo nível, comparada até mesmo às seleções vitoriosas de 1958 e 1970. Mais doze anos e a Seleção Brasileira de 1994, embora não tenha jogado um futebol de arrancar suspiros, conquistou, com todos os méritos, o tetracampeonato mundial.
A Seleção Brasileira de 1962 também foi campeã mas, em que pese o inquestionável desempenho de Garrincha, a equipe já brilhava um pouco menos do que quatro anos antes. Doze anos depois, em 1974, o Brasil viveu situação semelhante, chegando às semifinais mas com apenas pálidas lembranças do que apresentara no México, em 1970. Também em 1986, doze anos depois, o Brasil por muito pouco não chegou às semifinais, mas novamente com um futebol inferior ao apresentado na Copa anterior. Mais doze anos e a Copa de 1998 mais uma vez assistiu a uma Seleção Brasileira que não foi mal (foi vice-campeã), mas foi incapaz de repetir o desempenho de quatro anos antes.
Fechando o "primeiro ciclo", a Copa de 1966 assistiu a uma Seleção Brasileira medíocre e completamente esquecível. Doze anos depois, a Seleção Brasileira que disputou a Copa de 1978 encerrou o "segundo ciclo" com um futebol igualmente fraco. Mais doze anos e o "terceiro ciclo" terminou com o Brasil naufragando fragorosamente na Copa de 1990. O "quarto ciclo" se encerra em 2002 e pode-se ver que, historicamente, as Copas do Mundo que encerram ciclos assistem a apresentações sofríveis da Seleção Brasileira. Mais do que a derrota para o Equador ou o empate contra o Peru, é essa "tendência histórica" que justifica preocupações mais concretas quanto ao desempenho brasileiro no Japão e na Coréia.
Esses ciclos, entretanto, podem também ser interpretados do ponto de vista da "sucessão de gerações". A Seleção Brasileira de 1954, por exemplo, ainda tinha remanescentes da equipe de 1950 (como Ely e Bauer), mas já contava com jogadores como Djalma Santos, Nílton Santos e Didi, representantes da chamada "Geração Pelé". Essa geração atingiu seu auge, de forma irrepreensível, na Copa de 1958 e, embora já brilhasse um pouco menos, ainda foi responsável pela campanha do bicampeonato em 1962, fechando o "primeiro ciclo".
Na Seleção Brasileira de 1966, de forma semelhante à de doze anos antes, jogavam remanescentes do time da Copa anterior (Pelé, Garrincha, Djalma Santos, Gilmar), mas já havia jogadores como Jairzinho, Tostão e Brito, integrantes de uma geração que pode ser chamada de "Geração Tostão" ou "Geração Rivellino". Essa geração chegou ao ponto máximo com a campanha indiscutível do tricampeonato em 1970 e ainda teve fôlego para integrar a Seleção Brasileira em 1974, chegando, com um futebol mais modesto, ao quarto lugar e encerrando o "segundo ciclo".
Doze anos após 1966, o "terceiro ciclo" se iniciou de forma praticamente igual aos ciclos anteriores com a Seleção que disputou a Copa de 1978. Havia remanescentes da geração anterior (como Leão e Rivellino) mesclados a jogadores da "Geração Zico", como Toninho Cerezzo, Oscar, Batista, além do próprio Zico. Essa geração encontrou seu ápice, com um desempenho até hoje exaltado, na Copa da Espanha, em 1982, e também participou da Copa de 1986, mostrando um pouco menos de brilho, mas ainda com um bom desempenho e encerrando seu ciclo.
Em 1990, doze anos após 1978, a Seleção Brasileira entrou no "quarto ciclo". Remanescentes da Copa anterior, como Müller, Branco e Careca, se juntaram a nomes como Dunga, Bebeto e Aldair, membros da geração que pode ser chamada de "Geração Dunga" ou "Geração Romário". Essa geração teve seu maior desempenho em 1994, quando conquistou o tetracampeonato, mas também disputou a Copa de 1998, com um desempenho ligeiramente inferior, sendo vice-campeã mundial. A Seleção Brasileira de 2002 iniciará o "quinto ciclo" e só Deus sabe se a história a batizará como "Geração Vampeta", "Geração Ronaldinho", "Geração Alex" ou se nos surpreenderá com algum símbolo inesperado ("Geração Kaká"? "Geração Rochemback"?)
Olhando para o que a história nos mostra, podemos arriscar um bom diagnóstico para a atual fase da Seleção Brasileira. Assim como Índio em 1954, Fidélis em 1966, Gil em 1978 e Bismarck em 1990, temos em nossos Edílsons vários "craques de entressafra". Assim como em 1954, 1966, 1978 e 1990, estamos assistindo à "passagem do bastão" dos remanescentes de uma geração (Cafu, Romário) aos que iniciam a próxima (Lúcio, Ronaldinho Gaúcho). E da mesma forma que, em 1954, 1966, 1978 e 1990, os desempenhos decepcionantes têm sido a tônica.
Em suma, apesar de tudo o que a Seleção Brasileira vem fazendo, o momento não é de vaiar, mas de apoiar, pois 1958, 1970, 1982 e 1994 projetam para 2006 a colheita de louros. Evidentemente, nenhuma época é melhor do que hoje para plantar esses louros. E, certamente, uma Seleção capaz de ser a única tetracampeã mundial e a única a vencer uma Copa do Mundo fora de seu continente é grande o suficiente para quebrar mais um tabu, vencer os "ciclos de doze anos" e começar, já em 2002, a colher a próxima safra de louros.
É isso aí. A qualquer momento estarei Acertando as Contas com um novo assunto atual do futebol.