O verdadeiro campeão
No próximo dia 28, Boca Juniors e La Coruña inaugurariam o segundo campeonato Mundial de Clubes organizado pela FIFA. Como todos sabem, razões financeiras ligadas à falência da empresa de marketing ISL provocaram o adiamento da competição para 2003. Esse adiamento, por outro lado, vem a fortalecer a polêmica estabelecida na primeira edição do torneio entre corintianos radicais que se julgam os únicos campeões mundiais "legítimos" da história e seus adversários (especialmente sãopaulinos e santistas) que defendem o valor do Campeonato Mundial "de Tóquio". Em meio a essa polêmica surgem até torcedores do Palmeiras e do Fluminense reivindicando seus "títulos mundiais" das Copas Rio de 1951 e 1952, respectivamente.
Discussões semelhantes ocorrem acerca dos Campeonatos Brasileiros, com torcedores do Flamengo e do Sport reivindicando eternamente o título de 1987 para seus times e alguns torcedores não-vascaínos alegando que a temporada 2000 não possui um campeão oficial. Há ainda outros bate-bocas de natureza similar, como o que acontece entre os que julgam que o verdadeiro campeão sul-americano seja o vencedor da Taça Libertadores e os que defendem que tal título seja atribuído ao campeão da Copa Mercosul.
Diversos argumentos são apresentados em defesa das várias teses. Desses argumentos e da premissa de que qualquer critério utilizado deva ser minimamente coerente, pode-se inferir um critério único e definitivo que determine quem são os verdadeiros campeões mundiais, brasileiros, sul-americanos ou de qualquer outro âmbito que esteja envolto em polêmicas.
O argumento mais comum de que se valem os corintianos é o fato de seu título ser o único a receber o "carimbo" de oficialidade da FIFA. Nesse caso, se for adotado como critério o "carimbo" de oficialidade, então também se deve considerar o Sport como Campeão Brasileiro de 1987 e ninguém como Campeão Brasileiro de 2000, pois Flamengo e Vasco foram campeões apenas das Copas União e João Havelange, as quais não possuíam o "carimbo" de oficialidade da CBF. E, embora o senso popular ainda seja muito dividido entre Flamengo e Sport a respeito de 1987, é unânime a aceitação do Vasco como o "legítimo" Campeão Brasileiro de 2000. Logo, cai por terra o argumento do "carimbo" de oficialidade.
Por outro lado, um argumento igualmente comumente utilizado por anti-corintianos que querem diminuir o Mundial da FIFA e invocado por palmeirenses e tricolores cariocas que buscam valorizar suas conquistas da Copa Rio é o da "força dos adversários". Dizem os alviverdes, por exemplo, que enquanto o Corinthians enfrentou apenas "times da Arábia", o Palmeiras venceu "grandes times da Europa". A esse tipo de argumento se apegam também os apoiadores da Copa Mercosul como o "verdadeiro" Campeonato Sul-Americano (pois seu campeão enfrenta os "grandes times do continente" e não os "timecos da Venezuela" que disputam a Libertadores) e os defensores do Flamengo de 1987 (que enfrentou "times da primeira divisão", enquanto o Sport jogou contra "equipes da segunda divisão").
Para analisar esse tipo de argumento é necessário, antes de mais nada, se perguntar, por exemplo, "O que define um Campeão Mundial?". A resposta é clara: O "Campeão Mundial" (ou seja, o melhor time do mundo) é aquele time que direta ou indiretamente superou TODAS as demais equipes do planeta. Se os campeonatos nacionais e continentais forem percebidos (como devem ser) como fases preliminares classificatórias do Campeonato Mundial, então não há porque contestar a legitimidade da conquista do Corinthians em 2000. Um anticorintiano pode dizer, por exemplo que um torneio de que o South Melbourne participa e o River Plate não, não pode ser chamado de "Campeonato Mundial". Entretanto, esse "torneio de que o South Melbourne participou e o River Plate ficou de fora" é apenas um "octogonal final" de uma competição que reuniu em suas "fases preliminares", TODAS as equipes do mundo: se o South Melbourne participou foi por ter sido vencedor de sua "fase preliminar" (a Copa da Oceania) e se o River Plate não disputou o torneio foi por ter sido previamente eliminado em sua "fase preliminar" (a Taça Libertadores). É verdade que o Corinthians também havia sido eliminado em sua "fase preliminar", mas isso arranha apenas a legitimidade de sua participação e não a legitimidade da competição como um todo.
A mesma lógica pode ser aplicada ao Mundial "de Tóquio", que confronta direta ou indiretamente TODOS os times da América do Sul e da Europa. Dada a incipiência do futebol nos outros continentes, a restrição da disputa a apenas América do Sul e Europa não chega a ser um obstáculo à aplicação dessa lógica.
A aplicação dessa lógica à Copa Rio, por outro lado, indefere facilmente a reivindicação de palmeirenses e tricolores cariocas. As duas edições da Copa Rio foram disputadas por oito equipes: além dos campeões paulista e carioca, disputaram em 1951 os campeões nacionais de Áustria, França, Itália, Iugoslávia, Portugal e Uruguai e em 1952 os campeões de Alemanha, Áustria, Paraguai, Portugal, Suíça e Uruguai. É fácil perceber que as ausências do campeão italiano em 1952 e do campeão alemão em 1951, assim como as ausências dos campeões de Hungria (que era uma grande potência da época), Argentina, Espanha e Inglaterra (que sempre tiveram equipes fortes), Colômbia, Chile, Suécia, Escócia, Peru, Holanda, etc. em ambos os anos enfraquecem decisivamente a "amplitude" da competição. Assim, Palmeiras e Fluminense podem se considerar, no máximo, "Campeões dos sete países", nunca "Campeões do Mundo", pois a Copa Rio em nenhum momento promoveu o confronto direto ou indireto entre TODOS os times do mundo .
Na Copa Mercosul, em nenhum momento os times de Bolívia, Peru, Equador, Colômbia e Venezuela tomam parte da disputa. Além disso, a competição não promove direta ou indiretamente o confronto entre TODOS os times do continente, pois a grande maioria de suas vagas é preenchida por convites, o que além de marginalizar dezenas de equipes ainda leva a absurdos como a exclusão do vice-campeão brasileiro (São Caetano), enquanto o vigésimo-oitavo colocado (Corinthians) tem participação assegurada. Assim, o vencedor da Copa Mercosul é, no máximo, um "campeão dos cinco países" e jamais será o "Campeão da América do Sul".
Raciocínio análogo pode ser tecido em relação à Copa União de 1987: em nenhum momento os times "estranhos" aos dezesseis convidados tomaram parte do confronto no Módulo Verde. Além disso, a competição não promoveu direta ou indiretamente o confronto entre TODAS as equipes do países, pois TODAS as suas vagas foram preenchidas por convites, causando, além de marginalização de dezenas de equipes, absurdos como a participação do quadragésimo-oitavo colocado do ano anterior (Coritiba), deixando de fora o vice-campeão brasileiro (Guarani). Por isso, o Flamengo, vencedor do Módulo Verde, foi no máximo, o "campeão dos dezesseis times" e nunca o "Campeão Brasileiro".
Em suma, duas perguntas são suficientes para se aferir a "legitimidade" de um campeonato.
1) Esse campeonato confronta, direta ou indiretamente, TODAS as equipes do âmbito em questão?
2) Esse campeonato tem suas vagas atribuídas tecnicamente, com base em classificações obtidas em competições anteriores?
Se ambas as respostas forem "sim", então a "legitimidade" do campeonato está garantida. Da mesma forma, se um mínimo de lógica e bom senso forem praticados, qualquer polêmica se torna inócua e qualquer dúvida se torna resolvida.
É isso aí. A qualquer momento estarei Acertando as Contas com um novo assunto atual do futebol.