O calendário do futebol - Parte 1

Apesar da Copa dos Campeões ter acabado de degolar metade de seus participantes e da iminência de a Copa América passar a ser sediada pelo Brasil, o grande assunto da semana é, sem dúvida, o calendário quadrienal divulgado pelos "notáveis" do pool CBF/Clube dos 13/Rede Globo/Ministério dos Esportes. Dificilmente esse já famoso calendário instaurará a estrutura dos sonhos de ao menos um torcedor brasileiro. A estrutura que espera o futebol brasileiro dos próximos anos conserva uma série de vícios dos quais o futebol brasileiro tem tido extrema dificuldade em abandonar. Um desses vícios (talvez o principal) é o fato de não ter se baseado 100% na lógica e no bom senso, mas 99% nos intere$$es das emissoras de TV e dos chamados clubes grandes.

Esta é a primeira de uma série de três colunas, nas quais não só se discutirá o novo calendário brasileiro, como se apresentará uma proposta de calendário não apenas brasileiro, mas Mundial baseada 100% no bom-senso e na lógica. Nesta primeira parte, serão apresentadas bases e argumentos lógicos para a construção uma estrutura ideal (ou a mais próxima possível disso) para o futebol brasileiro, sul-americano e mundial.

Inicialmente, a primeira atitude a ser tomada seria uma centralização/unificação de poderes. Ninguém discute que um dos maiores problemas do futebol brasileiro é o calendário abarrotado de competições. E parte desse abarrotamento se deve à existência de muitos "caciques" (Clube dos 13, CBF, federações estaduais, Traffic, Confederação Sul-Americana) querendo organizar cada qual o seu campeonato e montando cada qual a sua tabela sem se importar com as superposições. Por esse motivo, urge a existência de um único "cacique", ou "imperador", ao qual caberia a organização de TODOS os campeonatos profissionais realizados em solo brasileiro. Aparentemente o novo calendário atende a essa necessidade, centralizando a organização dos campeonatos nas mãos da CBF.

Da mesma forma, o calendário mundial sofre com os eternos braços-de-ferro disputados entre FIFA, UEFA, G-14 (para quem não conhece, o G-14 é o "Clube dos 13" da Europa) e Federações Continentais. Pelo mesmo motivo do parágrafo anterior, o presidente da FIFA deveria se converter em um "imperador mundial" organizando TODOS os campeonatos profissionais de nível continental, intercontinental e mundial do planeta.

Raciocinando com a lógica e perguntando-se qual a finalidade do futebol e dos campeonatos, não é difícil determinar quais campeonatos devem ser extirpados do calendário, quais devem permanecer e como essas competições remanescentes devem ser estruturadas.

Em primeiro lugar, é importantíssimo ter-se em mente que a estrutura do futebol mundial (seja ela qual for) não existe apenas para os Palmeiras, os River Plates e os Barcelonas, mas existem também para os Moto Clubes, os Calais e os South Melbournes. É dessa regra básica que muitos "torcedores" (que vibram muito mais com um balanço superavitário do que com um gol decisivo) têm se esquecido ao formular suas teorias sobre o profi$$ionalismo do futebol.

Em segundo lugar, deve-se fazer uma pergunta cujas respostas nortearão toda a estrutura lógica subseqüente: qual é o objetivo de um campeonato de futebol? Diversas respostas podem ser formuladas:

Resposta 1: Proporcionar o espetáculo.

O espetáculo não surge se os jogadores estiverem desinteressados; o interesse não surge se os jogadores estiverem desmotivados; a motivação não surge se o jogo não tiver valor. Logo, é fundamental que os jogos tenham valor e despertem o interesse dos jogadores.

Resposta 2: Servir como atividade profissional permanente de onde os jogadores possam tirar seu ganha-pão

Os salários tendem a ser maiores se os jogadores tiverem bons desempenhos. Bons desempenhos não surgem se os jogadores estiverem desinteressados; o interesse não surge se os jogadores estiverem desmotivados; a motivação não surge se o jogo não tiver valor. Logo (e novamente), é fundamental que os jogos tenham valor e despertem o interesse dos jogadores.

Resposta 3: Gerar receitas para clubes, cartolas, empresários, patrocinadores e televisões.

As receitas tendem a ser maiores se os jogos forem bons; os jogos não serão bons se os jogadores não tiverem bons desempenhos; bons desempenhos não surgem se os jogadores estiverem desinteressados; o interesse não surge se os jogadores estiverem desmotivados; a motivação não surge se o jogo não tiver valor. Logo (e mais uma vez), é fundamental que os jogos tenham valor e despertem o interesse dos jogadores.

Conclusão lógica: seja qual for a resposta sobre a finalidade de um campeonato é estruturalmente fundamental que os jogos tenham valor e despertem o interesse dos jogadores. Para que os jogos tenham valor, o mínimo que se espera é que o campeonato pelo qual o jogo esteja sendo disputado também tenha valor.

E o que determina se um campeonato tem ou não valor? Isso é muito fácil responder. Em última análise o que todo torcedor quer e o que todo time almeja é ser melhor que os demais. Portanto, os campeonatos que têm valor são aqueles que conferem a seus vencedores o posto de O MELHOR em algum âmbito:

- Campeonato Estadual (que elege O MELHOR time do Estado)
- Campeonato Brasileiro (que elege O MELHOR time do Brasil)
- Taça Libertadores da América (que elege O MELHOR time da América do Sul)
- Campeonato Mundial (que elege O MELHOR time do Mundo)

Resposta 4: Apurar o melhor time.

Evidentemente, pelo que foi argumentado acima, um campeonato que tenha valor elegerá O MELHOR time do âmbito em questão.

Resumindo: qualquer que seja a visão empregada dentre as quatro Respostas acima; é crucial que os jogos tenham valor e despertem o interesse dos jogadores e, para tanto, que o campeonato pelo qual o jogo esteja sendo disputado também tenha valor, elegendo O MELHOR time do estado, do país, do continente ou do mundo.

Por esse motivo, respondendo à questão inicial sobre quais competições devam ser erradicadas do calendário, os torneios regionais (Rio-São Paulo, Copa Sul-Minas, Copa Nordeste, Copa Centro-Oeste e Copa Norte) e a Copa Mercosul não valem absolutamente nada, pois não elegem O MELHOR de âmbito algum. A inutilidade da Copa Mercosul (que não possui rigorosamente nenhum significado técnico) felizmente já foi percebida pelos idealizadores do novo calendário, sendo extinta (ao menos para as equipes brasileiras) a partir da temporada 2002. Quanto às copas regionais, o recente sucesso do Campeonato do Nordeste mostra que talvez essas competições (que, pode-se argumentar, elegem O MELHOR time da região) possam merecer um espaço no calendário como torneios de pré-temporada, por exemplo. Para isso torna-se fundamental uma revisão nos critérios de participação substituindo-se os abomináveis convites e "cadeiras cativas" que garantem participação perpétua aos times chamados "grandes" por critérios técnicos atrelados às classificações nos campeonatos estaduais.

A exceção à regra fica por conta da Copa do Brasil que, embora não eleja O MELHOR de algum âmbito permite aos times mais desconhecidos e distantes se confrontarem com os chamados grandes e terem sua existência divulgada ao mundo.

À primeira vista, os parágrafos acima poderiam constituir uma perfeita defesa do badalado sistema de disputa "todos-contra-todos-em-turno-e-returno-com-pontos-corridos", mas há alguns fatores que tornam inviável a adoção desse sistema.

Em primeiro lugar, existem times que participam simultaneamente dos campeonatos estaduais/regionais e da Copa do Brasil. Portanto, esses campeonatos devam ter formatos razoavelmente curtos para que os times que participem de ambos possam disputá-los (além da Taça Libertadores, eventualmente) sem atropelos no calendário.

Além disso, todos devem se lembrar de que os campeonatos são disputados em um largo período de tempo durante o qual nenhuma equipe e nenhum torcedor desconhece a evolução da pontuação e das chances de cada equipe. E o sistema de pontos corridos tem o péssimo efeito colateral de "afunilar" (se não matematicamente pelo menos na prática) a disputa muito precocemente. No Campeonato Brasileiro de 1999, por exemplo, o Corinthians abriu tamanha vantagem sobre os adversários nas primeiras vantagens (e conseqüentemente tornou tão previsível a constatação de ser O MELHOR time da competição), que se não existisse a disputa pelas sete vagas restantes nos play-offs, o campeonato perderia grande parte de sua disputa antes mesmo de se atingir a metade. Outro exemplo: no início do ano 2001, cinco meses antes do encerramento da temporada, o Campeonato Italiano (que conta com 18 participantes) estava com a disputa do título restrita a quatro ou cinco equipes; há dois meses do final, a competição já estava polarizada entre Roma, Juventus e Lazio.

Há quem possa argumentar que a classificação para as Copas Européias valoriza a disputa das posições inferiores. A isso pode-se responder lembrando que, além de não existir uma Copa Uefa na América do Sul, a cabeça do torcedor brasileiro é totalmente diferente da cabeça do europeu. Para o brasileiro, o vice-campeonato não vale nada e ponto final. Mais: querer "educar" o brasileiro a valorizar as posições inferiores através de campeonatos por pontos corridos ou por Copas Uefa será pura e completa perda de tempo.

Além disso, há o erro de se dar mais de uma vaga para o mesmo país na competição de âmbito imediatamente superior, como fazem na Copa da Europa (arrogantemente tratada como Champions League) e na Taça Libertadores. É um erro do ponto de vista lógico-filosófico, pois apenas um time pode ser O MELHOR de um país. Conseqüentemente, se os outros já têm, dentro de seu próprio país uma equipe que os supere, jamais poderiam ser O MELHOR do continente. Resumindo: Como o vice-campeão espanhol poderia ser O MELHOR da Europa, se apenas dentro da Espanha já existe uma equipe MELHOR (o campeão) que o superou?

Na América do Sul (e particularmente no Brasil), esse erro se faz perceber também no aspecto de valorização de campeonatos. Não são raras as vezes em que o Campeão da Copa do Brasil dedica pouca importância ao Campeonato Brasileiro. Tampouco foram escassas as vezes em que jogadores e jornalistas se referiram ao Campeonato Brasileiro de 1999 e à Copa João Havelange de 2000 usando expressões do tipo "basta ser vice para se classificar para a Libertadores". Isso mostra a evidente desvalorização que a principal competição de futebol do país sofre em função das várias vagas oferecidas à Taça Libertadores. E mostra também que, se um dia os quatro primeiros lugares do Campeonato Brasileiro valerem vaga para a Libertadores, a briga pelo quarto lugar acabará adquirindo maior intensidade do que a disputa pela primeira posição, o que é uma enorme e indesejável inversão de valores.

Por tudo isso pode-se afirmar que se o campeonato italiano da temporada 2000/2001 (por exemplo) fosse disputado no Brasil, teríamos das 18 equipes participantes 15 (ou 83,33 % do total) jogando os últimos meses da competição à toa ou, no máximo, contra o rebaixamento. E nada é melhor para desvalorizar a partida, desincentivar os jogadores, empobrecer o espetáculo, desmotivar o comparecimento de torcedores (seja nos estádios, seja pela TV) e diminuir as receitas do que um jogo à toa.

Sendo assim, pode-se concluir, por tudo o que já foi dito aqui, quais requisitos devem ser obedecidos pela estrutura ideal do futebol:

1) Todos os campeonatos devem ter valor, apurando "O MELHOR" time de seu âmbito.
2) Todos os campeonatos devem conservar o interesse pela disputa pelo máximo tempo possível; deve ser evitada ao máximo a possibilidade de a disputa ficar polarizada entre poucas equipes.
3) Todos os campeonatos devem credenciar apenas o seu Campeão à disputa do campeonato do âmbito imediatamente superior.

É isso aí. A qualquer momento estarei Acertando as Contas com um novo assunto atual do futebol.

Na segunda parte desta série, serão apresentadas propostas, baseadas nas premissas acima, de calendários e estruturas para o futebol brasileiro e mundial, tanto no que diz respeito aos clubes quanto no que se refere às seleções.